quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Solstício

Não tive fim
Breve ou nefasto
Tampouco cresci
Conforme prometeram
Fui mesmo ninguém
Minha vitória
Foi saber o mundo
E sua gente toda

Que já não me reconhece
Quando vago desgarrado
Pelos viadutos
Sem meu cobertor
Sou mais um desalmado
Vestido em trajes finos
Fazendo por merecer
A parca esmola

É verdade
Tenho andado mais lento
E propenso à confusões
Como se algo houvesse partido
Enquanto dormia tranquilo
Por esses novos anos
Deixando livre o espaço
Antes preenchido com lembranças

Assim morrem histórias
Com abraços velados
E estrondoso silêncio
Em desastrados encontros
Algumas ainda agonizam
Outras se foram completamente
O esquecer
Isto mesmo não previ

Vez em quando penso
Quantas chances perdi
De demarcar melhor o tempo
Com prole ou navalhas
Bastava algum cuidado
Para aninhar as palavras
Em meio aos sentimentos
Que me desgovernavam

Remorso não há
Apenas leves desconfortos
Sei quase tudo pela metade
Muito embora pouco
O sossego dentro aqui
Faz tanto maior
A grandiosa fera
Embevecida

Às vezes parece que estou
Do lado errado do mar
Contemplando as ruínas
Do que um dia fui
E o tempo
Que já não é tanto meu amigo
Esbraveja insultos
E se vai

Do futuro não sei
Ainda sou forte
E velho
Como o diabo que é sábio
A poesia em mim não morre
Anoitece e acorda
Mas, esta pobre coitada
Merecia muito mais.

sábado, 21 de julho de 2018

Dínamo

Existe um homem
A caminho de casa
Padecendo em silêncio
Em suas viagens
Intermináveis

Decorando a paisagem
Mapeando os rostos
Ele não sorri
Apenas se equilibra
E espera

Por uma grande chuva
Que alagará o peito
De toda cidade
Quando então finalmente
Será preciso ser triste

Para navegar
Pois todos conhecem
A força bruta que existe
Em um animal morrendo
Dentro de si.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Destempero

Eu quero a noite eterna
Dos teus cabelos negros
A sincera companhia
De todos os desejos
Que arrebatam o coração

Eu quero me perder
No relevo do teu corpo
Assentado em minha cama
Desbravar os teus sertões
E descobrir recôncavos

A tua forma esbelta
Repetida em cúmplice
Por dias a fio
Outra remota cidade
A me acorrentar

Juras noturnas
Remendos no peito
Te medico
Para que o corpo acalme
E você não me abandone

Não confessa
A força do teu sentimento
Mas teus olhos gritam
Denunciando o que há
De mais humano

Enquanto desmontamos
Toda defesa
Te vejo, enfim
Revelada
Parte de mim

Eu quero a noite eterna
Dos teus cabelos negros
Eu quero todo o destempero
De um amor
Fadado ao fim.