sábado, 16 de dezembro de 2017

Lírios

Com os dedos dobrados
E os pés enganchados
Em uma marquise
Ou parapeito
De bater
Deitar o eterno sono
Descanso
Morrer é como adormecer

Escuto as vozes dos canos
Encarcerados nas paredes
Contando teus segredos
Mais solitários
Falam
Que viveste para tudo
Que desabotoaste os dias
Com devoção

Memória embotada
Pé descalço no cimento quente
Um poço com tampa de pedra
Viveiro de pássaros
Tudo que jamais se repetirá
Carne assada que desfia
Sorteios na tv
Esconderijo à beira-mar

Jornais amontoados
Discreto mausoléu
Onde jaz embalsamada
Sustentando o redor
Não há quem descubra
O nome certo do chá
Que encoraje a vida
A não se acabar

Mais uma semana
Derrubando previsões
Ninguém sabe
Se por teimosia ou sorte
Não abre mão de ser forte
Nem mesmo no fim
Pois bem. Será tudo como acha
Que as coisas devem ser

O corpo cede
Desvelando o tecido rasgado
Que outrora abrigou alguém
Uma janela filmada
O sol a meio palmo
Te alveja
E alvorece
A morte, outra vez!

O adeus é torpe
Repetido
Mísero murmúrio
Em meio ao asséptico caos
Nos corredores brancos
Os canos sussurram
Torturados nas paredes
Outra vida se esvai.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Relvado

Desenho teu rosto
Na matéria fina
Onde moldam-se os sonhos
O contorno do teu nome
Gravado nos dias
Três quartos de vermelho
Bordados em teu batom
O que brota do teu corpo
Seiva, sangue
Borboletas pousadas no teu torso.

Teu busto desnudo
Exposto
Como uma dádiva
Ofertada pela deusa
Que ousou te conceber.
A luz que dança
Em teus cabelos acobreados
Qual uma bailarina
Desajeitada
A bambolear.

Teu riso tímido
Torturado pela espera
Da certeza
Que jamais virá.
Sentimentos mutilados
Em devotados encontros
O arrepio na espinha
Atravessando o silêncio
Dos teus olhos cristalinos
Fustigados pelos meus.

Nossa ilusão despedaçada
Por avenidas e mares
O cheiro do teu nome
Gravado em meu porvir.
Desenho teu rosto
Na matéria fina
Onde moldam-se os sonhos
Você flutua pelo tempo
Como uma promessa esquecida
A me assombrar.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Resiliência

Bela noite de lua
Dizimada pelo terror
De um despertador
Que encerra outro sonho
Antes do desfecho
Resmunga
Demora no banho
Último conforto
Antes de partir

O sol já vai quente
Acende um cigarro
Seu café da manhã.
Caminha correndo
De pau duro no metrô
Às sete da matina
Atrasado de novo
O ódio transborda
Antes do meio-dia

Engole calado
Telefone que toca
Decote comportado
Piada sem graça
Comida requentada
Violência constante
Tesão maltratado
A cabeça longe
Muito longe

Um trago arranha a noite
O corpo esquenta
Câmera acelera
Vertigem
Pernas começam a tremer.
Copos quebrados
Bitucas no chão
Todos sorriem
Como se gostassem de você

Só se fala de amor escondido
Eu quero você
Não, eu quero você
Pensando melhor
Acho que quero você.
A voz da mente
Gritando estridente
Planos mirabolantes
Há tanto por vir

Pelas madrugadas
Flertando com a morte
Pouca inteligência
Mas fé tem de sobra.
Rouba para vencer
Reza o terço sujo
Faz tua mandinga
Você não vai morrer
O caminho é longo

Responde mal
Implora para dormir
Parece tão triste
De onde vem tanta raiva?
Discute até tarde
Sozinho no quarto
Você vai destruir
Tudo ao redor
Está perdido agora.

Chora escondido
Esperneia por dentro
Vira outro gole
Desaba.
Todos estão sempre sorrindo
O problema deve ser você
Tem que ser você!
Mas, você
Você não vai morrer

Abandona
Os que realmente te amam
Revira o lixo
De quem não te quer por perto
Vagueia por aí
Aprenda a mentir
Endureça
Um homem tem que ser forte
Quanto mais frio melhor

Acorda
Desce em Acari
Volta
Tenta de novo
Ninguém nunca viu
O que transita em ti
Você inventa melhor
Quando abraça o desespero
Será o bastante?

Refaz:
Bela noite de lua
Dizimada pelo terror
De um homem arruinado
Segurando a mão
De quem quer que seja
Olhe fundo em seus olhos
E minta uma vez mais
Está perdida agora

O corpo dela
Pairando ao seu lado
Na cama molhada
De suor.
No peito o peso aliviado
Feche os olhos
Adormeça
Você não vai morrer
O caminho é longo.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Adunco

Num continente de náufragos
Um país sem irmãos
Outro filho do outono
Para desembaraçar as luas
Fizeram por bem
Me parir em junho
Junto ao vento leste
Desolador de mundos
Empilho flagelos
Nas costelas dos anos
Silencio murmúrios
E anestesio traumas.

Adunco
Incisivo
Adestro o sossego
Para manter o caminho
Leve e brando.
Costurado ímpeto
Uma varanda tímida
Pela curva
Voltar ao céu
Que engasga as tardes
E implora para que a noite desfibrile
A rotina dos dias comuns.

Há profundo silêncio
No tempo
De inventar para esquecer
A escuridão já não cega
Tampouco a luz esconde
A imensidão que me habita.
Há singela calma
No armistício dos dias
Na poesia das coisas não perecíveis
Sem linhas vorazes
Ou fechamentos audazes
A paz.