sábado, 21 de junho de 2014

Estirpe

Antes de mim vieram outros
Com as costas marcadas e santos de mentira
Olhos tristes, senzalas
Esperanças e desolações

Antes de mim vieram outros
Com facas amoladas e paredes sem reboco
Secas desoladoras, ratazanas insaciáveis
Sandálias de couro e caminhões

Antes de mim vieram outros
Com a fala cantada e demandas singelas
Ruas de terra, matilhas de vira-latas
Barracas de feira e valões

Antes de mim vieram outros
Com alcunhas menores e documentos em punho
Gritos amordaçados, algozes diversos
Incêndios e resignações

Antes de mim vieram muitos
Que se fundiram com o tempo numa dança chucra
Em minhas costas carrego uma multidão
E não há chicote, desgraça ou moléstia infecto-contagiosa que eu não conheça de cor

Pois antes de mim vieram outros
Mas hoje sou eu quem defende o pavilhão
Todos os outros são apenas homens
Eu sou uma retratação.